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Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

POEMA DE DESPEDIDA



hoje, uma quarta-feira, tão insignificante quanto o resto,

lendo no ponto de ônibus o poema “os gêmeos”de bukowski — cujo livro

queimando na água, afogando-se na chama (inclusive achei o título muito piegas) comprei

num sebo — estranhamente me lembrei dela.

pois, ali, naquele mesmo lugar, encontrei-a algumas vezes. cedo ainda.

e no insignificante egoístico de minha vida cumprimentei-a e só.

não fui adiante. nunca ia. ela também. tínhamos medo, acho, de nos cobrarmos,

de nos denunciarmos a nós mesmos. por medo, acho.

dialogávamos no silêncio. mas não entendo o silêncio. não sei o que ele diz.

ela sorria. e eu sentia uma tristeza naquele sorriso. preso a mim mesmo, eu sorria apressado

fugindo da conversa. tinha medo do que ela poderia dizer. e fingia estar alegre,

reclamando pela lentidão das horas e demora do ônibus para me levar prá longe dali.

por vezes encontro-me assim, culpando-me. é foda isso.

ela achava melhor assim, distante, sozinha, fugindo. eu, no meu egoístico silêncio, achava melhor assim, distante, fugindo, sozinho.

procurava, ela, por algo que não podia ter, porque procurava longe, em outros lugares, em outras pessoas. o ônibus passava e eu seguia burocrático. queria perguntar o que sentia, mas não tinha coragem, porque talvez eu não pudesse dar, talvez não soubesse dar o que ela precisava. disso nunca saberei.

deixei escapar o momento. hoje já não posso.

as coisas continuam, seguem, passam

os ônibus, as pessoas, o telejornal, a reforma do apartamento vizinho

que empoeira a escada continua. tudo continua.

até eu.

é foda isso.