Quem sou eu
- Andre Maurício
- Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
Poeticamente: Fragmentos de um dia qualquer.
Poeticamente: Fragmentos de um dia qualquer.: O coveiro naquele dia fazia a transferência dos ossos dos falecidos para o ossário a fim de liberar espaço nas catacumbas e permitir o ent...
Fragmentos de um dia qualquer.
O coveiro
naquele dia fazia a transferência dos ossos dos falecidos para o ossário a fim
de liberar espaço nas catacumbas e permitir o enterro de mais alguns
desafortunados. Quando retirava os ossos de uma das covas, uma mulher
aparentando uns trinta e tantos anos, morena, os beiços grandes pintado de
vermelho, um metro e sessenta de altura, talvez menos, um bucho grande,
trajando um macaquito verde-bandeira, bem acochado, um cinto marrom com uns
cinco dedos de largura no meio do bucho, uma meia-calça preta, toma o crânio da
mão do auxiliar e questiona:
_ Esta
não é a cova do meu pai? estão fazendo o que com a cabeça do meu pai?
_ A gente
só tava...
_ É MEU
PAI. É A CABEÇA DE MEU PAI.
_ Minha
senhora a gente só tava...
_ SÓ TAVA
O QUÊ? O QUÊ? É MEU PAI. NEM OS MORTO PODE VIVER EM PAZ.
_ Num
chore não mulé.
_ NUM
CHORE NÃO O QUE? É MEU PAI. E VOCÊS TUDO VIOLANDO A CATATUMBA.
_ A gente
só tava...
_ É MEU
PAI.
_ Me dá
essa cabeça sua destambocada. A gente tem que terminá nosso selviço. Toma essa
cabeça dela, lerdo.
_ Oxe,
porque eu?
_ Porque
eu to dentro da cova.
_ N.Ã.O T.O.Q.U.E
E.M M.I.M.
_ Calma
dona.
_ É MEU
PAI.
_ Pega
logo essa cabeça. Deixa de conversa com essa maluca.
_ NÃO
TOQUE EM MIM COM ESSAS MÃOS PODRES.
_ E a
senhora, com a cabeça encostada nesse peitão.
_ É MEU
PAI.
_ Pega
logo essa cabeça, home.
_ E se
ela gritá.
_ Se você
não pegá quem vai gritá sou eu. Peste, só me faltava essa. Me dá essa porra
dessa cabeça.
_ VOCÊ ME
RESPEITE.
_ Pegá
ela, seu lerdo. Não, espera.
_ É prá
pegá ela ou não.
_ Sim...
Não... SIM. Mas me tire daqui primeiro. Vá por ali, dê a volta e vê se não cai
nas cova aberta.
_ Se alguém
tocá em mim eu dou escândalo. É MEU PAI.
_ De quem
é essa cova que a gente abriu?
_ É de
Zabumba. Então é a irmã de Beto. Eitxa, é a mulé de Bodinho. Liga pra ele.
_ Oxe, porque
eu tenho que ligá se você é o coveiro e eu sou o ajudante.
_ Só me
faltava essa peste dessa catenga gorda, inchada, me aperreá. Me dá o telefone.
_ Vôte,
por que o meu?
_ Porque
eu tô sem crédito, lástima.
_ Oxe!
Então manda a prefeitura botá um telefone aqui.
_ É? Só
se fô prá os defunto falá com tua mãe. Me dá logo o celular.
_ Num
gaste meus bônus não.
_ É MEU
PAI...
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