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Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Fragmentos do cotidiano


Fragmentos do cotidiano


O coveiro naquele dia fazia a transferência dos ossos de alguns mortos para o ossário a fim de liberar espaço nas catacumbas e permitir o enterro de mais alguns desafortunados. Quando retirava os ossos de uma das covas, uma mulher aparentando uns trinta e tantos anos, morena, os beiços grandes pintados de vermelho, um metro e sessenta de altura - talvez menos, um bucho grande, trajando um macaquito verde-bandeira bem acochado, um cinto marrom com uns cinco dedos de largura no meio do bucho, uma meia-calça preta, toma o crânio da mão do auxiliar e questiona: esta não é a cova do meu pai? ESTÃO FAZENDO O QUÊ COM A CABEÇA DE MEU PAI? A gente só tava. É MEU PAI. É A CABEÇA DE MEU PAI. Minha senhora a gente só tava. SÓ TAVA O QUÊ? O QUÊ? É MEU PAI. NEM OS MORTO PODE VIVER EM PAZ. Num chore não mulé. NUM CHORE NÃO O QUE? É MEU PAI. A gente só tava. É MEU PAI. Me dá essa cabeça sua maluca. A gente tem que terminá nosso selviço. Toma essa cabeça dela, lerdo. Oxe, porque eu? Porque eu to dentro da cova. N.Ã.O   T.O.Q.U.E   E.M   M.I.M. Calma dona. É MEU PAI. Pega logo essa cabeça. Deixa de conversa com essa maluca. NÃO TOQUE EM MIM COM ESSAS MÃOS PODRES. E a senhora, com a cabeça encostada nesse peitão. É MEU PAI. Pega logo essa cabeça, home. E se ela gritá. Se você não pegá quem vai gritá sou eu. Peste, só me faltava essa. Me dá essa porra.VOCÊ ME RESPEITE. Pegá ela, seu lerdo. Não, espera. É prá pegá ela ou não. Sim. Não. Me tira daqui primeiro. Pega essa maluca. Vá por ali, dê a volta e vê se não cai nas cova aberta. SE TOCAR EM MIM EU DOU ESCÂNDALO. EU VOU GRITAR. É MEU PAI. QUE ABSURDO MEXÊ NA COVA DOS MORTOS SEM ELES SABER. De quem é essa cova? É de Zabumba. Então é a irmã de Beto. Eita, é a mulé de Bodinho. Agora que me lembrei. Liga pra ele. Oxe, porque eu tenho que ligar se você é o coveiro e eu sou o ajudante. Só me faltava essa peste dessa catenga gorda, inchada, me aperreá. Me dá o telefone. Vôte, porque o meu? Tô sem crédito, lástima. Manda a prefeitura botá um telefone aqui, então. Só se for prá os defunto falar com tua mãe, né? Me dá logo o celular. Num gaste meus bônus não. É MEU PAI...