Quem sou eu

Minha foto
Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O ASSASSINO DO SOBRETUDO DE POLIETILENO PRETO.

Assassinato sob a lua minguante.

A noite caía apressada sobre o casario da cidade. Nos arranha-céus, nas esquinas, nos postes, as luzes, uma após a outra acendem-se, iluminando as ruas. As lojas do centro comercial vão cerrando suas portas. As ruas enchem-se de vidas apressadas.
Da mesma forma que se fez, o ajuntamento desfez-se com o passar das horas.
O silêncio aos poucos envolveu as ruas deixando-a um pouco assustadora. O trabalho no restaurante, hoje, demorou mais do que o habitual. Já havia passado por praticamente todas as funções dentro da empresa, atualmente era caixa. Faltava conhecer o financeiro, seu objetivo naquele momento, e aí estaria pronta para abrir o seu próprio. Era sonho de há muito acalentado. Os olhos brilhavam quando se via no salão em volta das mesas ocupadas e o vai-e-vem dos garçons e o sorriso das pessoas e o cheiro da comida. Isto era ainda um sonho compartilhado com tantos quanto conhecera e com seus pais quando vivos.
O alarme do celular trouxe-a de volta a realidade. Precisava fechar as portas. O relógio marcava 20h00. Era demasiado tarde para sair dali naquela região. A noite tudo parecia mais assustador.
Observou através da vitrine antes de sair. O ponto de ônibus ficava a poucas quadras dali. Visualizou mentalmente qual caminho seguir pra evitar ruas desertas, mas o adiantado da hora a fêz optar pelo caminho mais curto. Este seria também o mais deserto. Fechou a porta e pôs-se a caminho. Era uma morena bonita. Seus cabelos cacheados e seu sorriso aberto angariavam-lhe elogios de homens e mulheres também. Sentia-se feliz. Desde que viera do interior para tentar a sorte, a vida tem sido de trabalho e estudo. O pensionato não é dos melhores, mas precisa poupar o máximo possível para poder abrir o seu sonho. Filha única de pais já falecidos poucas amizades e muito trabalho. Uma praia e um cinema ocasionais. Seu foco, seu objetivo, não podia esquecer. Às vezes chorava, às vezes sorria. O seu ser, só, era um misto de liberdade e prisão.
Um cão revirando o lixo assustou-a. Precisava tomar cuidado. Eram tempos de medo, segundo a imprensa, e não queria correr riscos. Era a primeira vez que saía àquela hora. Sempre procurara os horários de maior movimento. Olhou para trás. Pensou ter ouvido passos. Ninguém. Imaginação apenas. Seus olhos e ouvidos ficaram mais atentos.
A rua neste momento parecia comprimi-la em seus medos e angustias. Num poste uma luz piscou e apagou-se escurecendo a rua. A cada passo parecia que o chão, gelatinoso, engolia seus pés. Medo. Pensou em ligar para alguém. Quem? Era o preço.
A rua parecia estreitar-se abafando-lhe e sufocando-lhe o peito. Sentiu medo. Lembrou que há um maníaco solto na cidade. Não queria ser ela a próxima vítima. Pensou em seus sonhos. Olhou para trás. Interessante como os olhos veem de acordo com o medo. Faltava apenas um quarteirão para o destino. O medo nos trai.
Uma chuva fina começou a cair. Soltou uma imprecação. Pensou ouvir passos. Pensou em correr. Uma das vítimas foi encontrada pelas redondezas. Não queria ser a próxima. Olhou novamente para trás a fim de perscrutar o ambiente. Nada atrás de si. Ao se voltar para a frente sentiu a pressão de dedos maléficos em sua garganta. Sentiu o chão fugir-lhe aos pés. O desespero lhe tomou o coração. O horror inundou-lhe os olhos. Não conseguia gritar. De sua boca apenas grunhidos. Em seus olhos o horror. Em seus olhos a tristeza. A dor que sentia não era pela pressão daquelas mãos assassinas. Sua dor era pelo que elas lhe roubavam, pelos sonhos, pela vida. Uma lágrima, sua última, escorreu em filete de seus olhos misturando-se às gotas da chuva anunciando seu fim. Um baque surdo no chão foi o último som a ser ouvido.
O algoz, do sobretudo, acendeu um cigarro, sorveu um trago e se pôs a caminho. No céu a lua minguante, no rosto um sorriso leve e na boca o cigarro.

A rua em silêncio chora pelos sonhos roubados.