O ASSASSINO DO SOBRETUDO DE POLIETILENO PRETO.
Assassinato sob a lua minguante.
A noite caía apressada sobre o
casario da cidade. Nos arranha-céus, nas esquinas, nos postes, as luzes, uma
após a outra acendem-se, iluminando as ruas. As lojas do centro comercial vão
cerrando suas portas. As ruas enchem-se de vidas apressadas.
Da mesma forma que se fez, o
ajuntamento desfez-se com o passar das horas.
O silêncio aos poucos envolveu as
ruas deixando-a um pouco assustadora. O trabalho no restaurante, hoje, demorou
mais do que o habitual. Já havia passado por praticamente todas as funções
dentro da empresa, atualmente era caixa. Faltava conhecer o financeiro, seu
objetivo naquele momento, e aí estaria pronta para abrir o seu próprio. Era sonho
de há muito acalentado. Os olhos brilhavam quando se via no salão em volta das
mesas ocupadas e o vai-e-vem dos garçons e o sorriso das pessoas e o cheiro da
comida. Isto era ainda um sonho compartilhado com tantos quanto conhecera e com
seus pais quando vivos.
O alarme do celular trouxe-a de
volta a realidade. Precisava fechar as portas. O relógio marcava 20h00. Era demasiado
tarde para sair dali naquela região. A noite tudo parecia mais assustador.
Observou através da vitrine antes
de sair. O ponto de ônibus ficava a poucas quadras dali. Visualizou mentalmente
qual caminho seguir pra evitar ruas desertas, mas o adiantado da hora a fêz
optar pelo caminho mais curto. Este seria também o mais deserto. Fechou a porta
e pôs-se a caminho. Era uma morena bonita. Seus cabelos cacheados e seu sorriso
aberto angariavam-lhe elogios de homens e mulheres também. Sentia-se feliz. Desde
que viera do interior para tentar a sorte, a vida tem sido de trabalho e
estudo. O pensionato não é dos melhores, mas precisa poupar o máximo possível para
poder abrir o seu sonho. Filha única de pais já falecidos poucas amizades e
muito trabalho. Uma praia e um cinema ocasionais. Seu foco, seu objetivo, não
podia esquecer. Às vezes chorava, às vezes sorria. O seu ser, só, era um misto
de liberdade e prisão.
Um cão revirando o lixo
assustou-a. Precisava tomar cuidado. Eram tempos de medo, segundo a imprensa, e
não queria correr riscos. Era a primeira vez que saía àquela hora. Sempre procurara
os horários de maior movimento. Olhou para trás. Pensou ter ouvido passos. Ninguém.
Imaginação apenas. Seus olhos e ouvidos ficaram mais atentos.
A rua neste momento parecia
comprimi-la em seus medos e angustias. Num poste uma luz piscou e apagou-se escurecendo
a rua. A cada passo parecia que o chão, gelatinoso, engolia seus pés. Medo. Pensou
em ligar para alguém. Quem? Era o preço.
A rua parecia estreitar-se
abafando-lhe e sufocando-lhe o peito. Sentiu medo. Lembrou que há um maníaco solto
na cidade. Não queria ser ela a próxima vítima. Pensou em seus sonhos. Olhou para
trás. Interessante como os olhos veem de acordo com o medo. Faltava apenas um
quarteirão para o destino. O medo nos trai.
Uma chuva fina começou a cair. Soltou
uma imprecação. Pensou ouvir passos. Pensou em correr. Uma das vítimas foi
encontrada pelas redondezas. Não queria ser a próxima. Olhou novamente para
trás a fim de perscrutar o ambiente. Nada atrás de si. Ao se voltar para a
frente sentiu a pressão de dedos maléficos em sua garganta. Sentiu o chão
fugir-lhe aos pés. O desespero lhe tomou o coração. O horror inundou-lhe os
olhos. Não conseguia gritar. De sua boca apenas grunhidos. Em seus olhos o
horror. Em seus olhos a tristeza. A dor que sentia não era pela pressão
daquelas mãos assassinas. Sua dor era pelo que elas lhe roubavam, pelos sonhos,
pela vida. Uma lágrima, sua última, escorreu em filete de seus olhos misturando-se
às gotas da chuva anunciando seu fim. Um baque surdo no chão foi o último som a
ser ouvido.
O algoz, do sobretudo, acendeu um
cigarro, sorveu um trago e se pôs a caminho. No céu a lua minguante, no rosto um
sorriso leve e na boca o cigarro.
A rua em silêncio chora pelos
sonhos roubados.