Sobre um lugar qualquer
Enquanto isso,
n’algum lugar...
Os tons violáceos da
madrugada subjugam-se ante a barbárie pictórica do alvorecer.
Aos poucos o que era
informe assoma. O negrume desvanece e podemos ver um alpendre em madeira bruta
sem pintura. Uma porta, entreaberta, com venezianas incompletas deixava à
mostra um pouco do seu interior. Na janela uma cortina de tecido semelhante a
um véu esvoaça ao vento deixando transparecer alguns rasgos e manchas
amareladas. Os vidros, alguns quebrados, acumulam poeira. Da pouca mobília, e
pobre, apenas pedaços. Pelo chão restos de cadeiras e recostada na parede uma
mesa; sobre, um vaso com flores de plástico, uns poucos talheres e alguns
pratos em cacos. Um sofá gasto pelo uso e tempo, uma mesinha de centro com
algumas incrustações a faca e nas paredes, de um verde nauseabundo, algumas molduras
vazias, tentando esconder, talvez, algo o que um dia não foi. Dependurado na
parede em frente a porta um quadro retratava a santa ceia.
O chão pobre de
pouca vegetação demonstra a acidez do lugar.
Nesse ínterim,
n’outro lugar ...
O sol pardacento
derrama indolente sua preguiça sobre o chão pedregoso. Não há pegadas nem
vestígios d’alma.
Algumas flores dispostas
cuidadosamente no alpendre denotam o desvelo a aquilo o que um dia foi. A porta
almofadada de um azul suave, aberta, convidava a observar. Na mesa coberta com
uma toalha de renda alguns talheres e pratos zelosamente dispostos, como a
esperar alguém. O sofá num canto e uma cadeira de balanço a observar a porta.
As flores no jarro, sobre a mesa de canto, embebiam o ar com seu olor. Nas
paredes brancas retratos de pessoas que marcaram a vida dali. Na janela
envidraçada uma cortina branca confeccionada com um tecido leve, ao sabor da
brisa matinal, balouça, de alegria, por certo.
As flores, mesmo
sós, permanecem belas como devem ser.