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Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

REMINISCÊNCIAS, QUE É O QUE DE MIM RESTA, CORROEM-ME A ALMA.



       Dali donde me encontro, na janela, em um quarto do terceiro andar, observo o pátio abaixo de mim que se encontra só. Como a mim. Tem sido assim desde há muito. Não me recordo de quando, apenas lembro que foi no outono, período em que as árvores desnudam-se, que adentrei pela primeira vez aqui, donde somente eu saí, e que se tornou a partir de então, um local de idas e vindas. Nossas vidas, tal qual lago em fim de tarde que espelha o ocaso e beija com suas águas tépidas e calmas um cisne que desliza indolente sobre o espelho d’água, era, simplesmente, amor. Amor este que refluía de nossos corpos e embebia o ambiente e inebriava a todos que nos circundava. Éramos felizes. Não que tenhamos deixado de sê-lo a partir dali, mas o amor despiu-se da felicidade e travestiu-se da agonia e da compaixão. Este sentimento, a compaixão, eivado de ambiguidade, que enobrece a quem doa e humilha a quem recebe foi minha companhia mais próxima e sugou todo o amor que havia em mim. A ti, como alívio, o fim. A mim, órfão... dor, desgraça e solidão foi o que restou.
                    
                    Do tempo já assumi minha subserviência e já não sofro mais e já não vivo mais.
                
                    Do dia apenas uma luminescência incipiente que teima em me despertar para a realidade.

         Da noite que me acometeu o espírito e absorveu tudo de mim, malgrado-a por não me ter permitido fitar os olhos daquela que me permitiam ver o mundo por mais tempo; mas, também, bendigo-a por me permitir o sonhar e me aproximar do que um dia foi e por me esconder do que hoje não é.
         Dos amigos que conquistei, propositalmente, afastei-os todos, um após o outro, sem pretexto, para que não acompanhassem a minha definha e não se compadecessem de mim. Ojerizo a compaixão.
          Reminiscências, que é o que de mim resta, corroem-me a alma.

          De há muito que deambulo por este lugar em busca do que perdi. Inicialmente maculado de esperanças, mas o tempo etéreo, irresoluto, fez dissipar aquela enchendo-me a alma e a vida de tristeza, melancolia e desesperança. A esta, não posso permitir a vitória, sob pena de admitir que a morte golpeie minha porta e se aposse de meu espirito. Em vão. Herculeamente tento resistir, mas devo confessar com grande tristeza, que a vitória não me será companheira. Em lixo, a mim custa reconhecer pelo que fui, me transformei após ver-te refastelar-se com o banquete da morte e enternecida beijar-te a face.

          As paredes dali donde me encontro já não mantêm a cor original. Esvaneceram com o tempo. Como a mim. A mobília carcomida pela ferrugem já não mais se presta. No salão principal, nos corredores, nos quartos, na sala de choque que conheço mais do que a mim próprio, o que se reflete é a máscara da tristeza e da solidão. Contraditoriamente, o que antes era vivo, multifacetado, hoje agoniza e chora em dor pela ausência e pelo silêncio de tantos. O drama que ontem aqui era escondido não difere do que se esconde hoje.

           Onde estás, ó, amante doce e terna que me encobrias e me devorava dos anos a vida em mais doce alegria. Onde estás? Pergunto-me melancólico.

                
                       Aqui donde me encontro, da janela do 3º andar, observo o pátio - que tanto conhece meus passos, taciturno, ignorando-me com sua empáfia, está só também. Como a mim.