Dali
donde me encontro, na janela, em um quarto do terceiro andar, observo o pátio
abaixo de mim que se encontra só. Como a mim. Tem sido assim desde há muito.
Não me recordo de quando, apenas lembro que foi no outono, período em que as
árvores desnudam-se, que adentrei pela primeira vez aqui, donde somente eu saí,
e que se tornou a partir de então, um local de idas e vindas. Nossas vidas, tal
qual lago em fim de tarde que espelha o ocaso e beija com suas águas tépidas e
calmas um cisne que desliza indolente sobre o espelho d’água, era,
simplesmente, amor. Amor este que refluía de nossos corpos e embebia o ambiente
e inebriava a todos que nos circundava. Éramos felizes. Não que tenhamos deixado
de sê-lo a partir dali, mas o amor despiu-se da felicidade e travestiu-se da
agonia e da compaixão. Este sentimento, a compaixão, eivado de ambiguidade, que
enobrece a quem doa e humilha a quem recebe foi minha companhia mais próxima e
sugou todo o amor que havia em mim. A ti, como alívio, o fim. A mim, órfão... dor,
desgraça e solidão foi o que restou.
Do
tempo já assumi minha subserviência e já não sofro mais e já não vivo mais.
Do dia apenas uma luminescência
incipiente que teima em me despertar para a realidade.
Da noite que me acometeu o
espírito e absorveu tudo de mim, malgrado-a por não me ter permitido fitar os
olhos daquela que me permitiam ver o mundo por mais tempo; mas, também, bendigo-a
por me permitir o sonhar e me aproximar do que um dia foi e por me esconder do
que hoje não é.
Dos amigos que conquistei,
propositalmente, afastei-os todos, um após o outro, sem pretexto, para que não
acompanhassem a minha definha e não se compadecessem de mim. Ojerizo a
compaixão.
Reminiscências, que é o que de
mim resta, corroem-me a alma.
De há muito que deambulo por este
lugar em busca do que perdi. Inicialmente maculado de esperanças, mas o tempo
etéreo, irresoluto, fez dissipar aquela enchendo-me a alma e a vida de
tristeza, melancolia e desesperança. A esta, não posso permitir a vitória, sob
pena de admitir que a morte golpeie minha porta e se aposse de meu espirito. Em
vão. Herculeamente tento resistir, mas devo confessar com grande tristeza, que
a vitória não me será companheira. Em lixo, a mim custa reconhecer pelo que
fui, me transformei após ver-te refastelar-se com o banquete da morte e
enternecida beijar-te a face.
As paredes dali donde me encontro
já não mantêm a cor original. Esvaneceram com o tempo. Como a mim. A mobília
carcomida pela ferrugem já não mais se presta. No salão principal, nos
corredores, nos quartos, na sala de choque que conheço mais do que a mim próprio,
o que se reflete é a máscara da tristeza e da solidão. Contraditoriamente, o
que antes era vivo, multifacetado, hoje agoniza e chora em dor pela ausência e
pelo silêncio de tantos. O drama que ontem aqui era escondido não difere do que
se esconde hoje.
Onde estás, ó, amante doce e
terna que me encobrias e me devorava dos anos a vida em mais doce alegria. Onde
estás? Pergunto-me melancólico.
Aqui
donde me encontro, da janela do 3º andar, observo o pátio - que tanto conhece meus passos, taciturno,
ignorando-me com sua empáfia, está só também. Como a mim.