Larguei
do trabalho na repartição como de costume às 15h. O serviço público é realmente
uma mamata. Guardei todos os papéis e piquei a mula. O ar da rua com a toda a
carga de desejos, ansiedades, dores e amores estimula-me, sinto-me mais vivo,
mais... desejoso de me relacionar com meus pares. Ao mesmo tempo em que sinto o
desejo de relacionar-me, padeço com meu temor de travar amizades e
relacionamentos verdadeiros. Não aquele relacionamento onde há cumprimentos e
meneios de cabeça automáticos dados nos corredores e pontos de ônibus. Mas,
sim, aquele cheio de cumplicidade, de beleza, de desejos, de ardor, de perdão,
de orgasmos, de sim, de não. Não consigo. Sofro com isso. Quero verdadeiramente
conhecer pessoas, convida-las à minha casa, tomar um chopp numa mesa de bar, rir...
essas coisas. O burburinho urbano inspira-me a tal. Entretanto, não consigo. E
sofro com isso. Percorri todo o trajeto da repartição até o ponto de parada do
ônibus em elucubrações e em promessas de procurar um terapeuta. Adentrei no
ônibus. Acomodei-me junto a janela observando os passantes. É interessante como
inconscientemente na nossa rotina procuramos sempre o mesmo lugar, fazemos
sempre o mesmo caminho, sentamos sempre no mesmo lugar no cinema. Creio que,
talvez, em busca de uma segurança que o desconhecido não proporciona. No
destino, acomodei-me na mesma mesa, da mesma barraca, na mesma praia. Uma mesa
em um local que me permita ver e não ser visto de forma a não ver sorrisos que
me incomodam, a não travar diálogos onde não tenho nada a dizer, nestes casos,
penso, o melhor é não dizer nada. Apenas sorrir. O pragmatismo às vezes
perturba-me. O óbvio está causando-me enfado. ARGH! Pedi um chopp. Sorvi-o
rapidamente como se o último. A partir daí as horas transcorreram lentas entre
um comentário inútil com um garçom e outro. O movimento estava agitado, para
minha surpresa. Normalmente é mais calmo. Alguns garotos brincam com suas mães
na areia, mais a direita um casal se enamora, um outro n’água troca beijos
lânguidos e imagino que por sob a água haja um movimento mais frenético do que
aparentam. À esquerda alguns adolescentes batem uma pelada. Alguns homens sós,
algumas mulheres, também sós. Alguns casais em caminhada no calçadão e risos e
abraços e gargalhadas e olhares e eu já no quarto chopp a observar com a apatia
que me é peculiar e com desejos que me é peculiar, também, aqueles corpos
suados, reluzentes, seminus, bailando esvoaçantes ao meu derredor provocando em
mim sensações visuais e libidinosas levando-me em pouco tempo a perambular pelo
recôndito dos corredores de meus desejos imaginando, fantasiando, fazendo-me sentir
o eriçar dos pelos ao toque virtual daqueles corpos seminus encarnando ora a
vênus, em sua sensualidade idílica, envolvente; ora Luz del Fuego com seu
erotismo aflorado, pulsante, e permaneço assim, divagante, imaginante, compondo
um cenário que no meu cotidiano burocrático não consigo compor e sinto vontade,
é verdade, de fazê-lo. Os corpos ora a dois, ora a três, o que a mágica da
mente me propõe a criar, entrelaçados, suados, roçando-se em comunhão carnal
compondo um paralelismo somente rompido pelo perpendicularismo fálico-latejante-estocante
ora suaves como a estar ao sabor das marolas numa enseada quando a tarde já é saudade;
ora viris como cavalgaduras em tropel, salivando e ofegando e ronronando e
mordendo e tocando o corpo que comigo flutua suavemente sob a luz tépida de um
quarto que sem olhos nem ouvidos ouve e observa meus olhos semicerrados, meu
movimento crescente, pulsante, volumoso, voluptuoso como se o mundo fosse
somente o instante, fosse somente nós. O movimento vibratório é mesclado com
olhares e bocas sussurantes, úmidas, frenéticas. Neste momento minha mente
bloqueia a visão e meus movimentos agora são regidos e comandados pela inconsequência
fálica da minha consciência linfática. Aahhhh, que os deuses não de mim tirem o
prazer não consciente. Adoro isso. Mais
um chopp? – pergunta o garçom. Falo: _Ah,
sim. Claro. Mais um chopp. Sem levantar os olhos.
Quem sou eu
- Andre Maurício
- Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.
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