O
aço tornado Deus.
Igualou-se
a Deus.
O
corpo exangue tombou de chofre no calçamento quente em desesperante agonia e
esvaindo-se em sangue chorava sobre a pedra derramando suas dores e alegrias
que, talvez, um dia, viesse a ter. Os
olhos aterrorizados observavam atônitos a carne cortada feito fato, abrindo-se,
expondo-se, mostrando a frágil fortaleza rompida, buscando além de si uma ponta
de meada, um fio que viesse içá-lo do abismo em que foi jogado. As narinas
bufantes como as de cavalgaduras em tropel, o corpo contorcido em dor, a cara
no chão – em dor, o sangue misturando-se a areia, as unhas crispando o paralelepípedo
– em dor, o corpo balbuciando seus lamentos últimos, a boca em gemidos, em dor,
ao mesmo tempo em que vociferava impropérios chorava a dor em lamentos
agoniantes, agonizando.
O
ajuntamento que se formou ao derredor, por catequese pseudossocial, chorava a
dor, compadecendo-se; questionava a dor, perquirindo-se; maldizia o infortúnio,
escarnecendo do pobre diabo que agonizava, gritava a esmo por um socorro que
teimava em não chegar. O tempo, despótico, seguia seu
curso sem “se”, sem “senão”. O frágil corpo de alma recalcitrante definhava ao
sol escaldante sobre o calçamento quente, em brasa. Seus olhos enevoados
vertiam lágrimas de dor. Não proferia mais palavras, apenas grunhidos.
Tudo
isso era sinônimo de um fim que atingiu o seu clímax
quando, não tendo forças, sua pobre alma em dor, solapa nas areias escaldantes
do inferno e do sangue putrefato de seus inimigos sorve um cálice, igualando-se
a eles; e nos seus olhos abertos refletiu-se a dor dos enjeitados ao tempo em
que suas unhas crispavam o chão e sua boca em silêncio exprimia seu último
sussurro seu corpo emudeceu, sua boca fechou, seus olhos cerraram-se em morte.
Silêncio. Está vazio
o espaço que fala por si só.
Vazio. Está silencioso o
espaço que fala por si só.
A turba, antes irrequieta, inquisitiva, penalizada, como que por inércia foi silenciando, dispersando-se, afinal tudo terminara sem se, sem senão. Todos se foram. Apenas um corpo ficou. No meio-fio encostado em
A turba, antes irrequieta, inquisitiva, penalizada, como que por inércia foi silenciando, dispersando-se, afinal tudo terminara sem se, sem senão. Todos se foram. Apenas um corpo ficou. No meio-fio encostado em
um poste,
acocorado, um corpo com rosto sofrido observava em silêncio, sem lágrimas em
seus olhos ou vingança. A tez carcomida pela ação incessante, inclemente,
despótica e voraz do tempo, emudecido, observava com os dedos entrelaçados como
que em oração. Talvez rogasse naquele instante um perdão, talvez. Nunca
saberemos. E consolando-se a si mesmo pela ausência, por aquilo que nunca foi, esperava,
agora, sozinho, o rabecão.