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Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.

sábado, 31 de janeiro de 2009

O AÇO TORNADO DEUS

O aço sibilou no espaço frio, terrificante emitindo um sibilo augúrio, agoniante. Em movimentos cortantes, rápidos, violentou, dilacerou o tênue cordão que une vida e morte, interrompendo, subtraindo violentamente uma vida. Igualou-se a Deus. O corpo exangue tombou de chofre no calçamento quente em agonia, esvaindo-se em sangue, chorando sobre a pedra suas dores e alegrias que ainda haveriam por vir. Os olhos aterrorizados observam atônitos a carne cortada feito fato de bode, abrindo-se, expondo-se, mostrando a frágil fortaleza rompida, buscando além de si uma ponta de meada, um fio que venha içá-lo do abismo em que foi jogado. As narinas bufantes como de cavalgaduras em tropel, o corpo contorcido em dor, a cara no chão, o sangue misturando-se a areia, as unhas crispando o chão, o corpo balbuciando seus lamentos últimos, a boca em choro, em gemidos, vociferando impropérios, chorando a dor em lamentos, agonizando. Tudo isso era sinônimo de um fim que iniciava e parecia não ter fim, em função da dor. Que estupidez, uma vida esvaindo-se assim de forma tão imbecil, tão banal. Em dor. Dor.
O ajuntamento que se formou ao derredor, por catequese pseudo-social, chorava a dor, perquirindo-se, maldizendo o infortúnio, compadecendo-se do pobre diabo que agonizava, gritava a esmo por um socorro que teimava em não chegar.
O tempo seguia seu curso sem “se”, sem “senão”. O frágil corpo definhava ao sol escaldante sobre o calçamento quente, em brasa. Não emitia mais palavras, apenas grunhidos. Até o momento em que seus olhos apenas fecharam, suas unhas crisparam o chão e sua boca silenciou em seu último sussurro. Seu corpo silenciou em uma morte estúpida. A turba como que por inércia foi silenciando, dispersando-se, afinal acabara o espetáculo, não veio a imprensa, não veio o socorro. Todos se foram. Ficou um corpo. No meio-fio encostado em um poste, acocorado, um corpo com rosto sofrido observava em silêncio, sem lágrimas em seus olhos, a tez carcomida pela ação incessante, inclemente, despótica e voraz do tempo, sem vingança em seus olhos e dedos entrelaçados como que em oração, rogando um perdão, e consolando-se a si mesmo pela ausência, esperava, agora sozinho, pelo rabecão.