Putz!... não faz isso, não! Você não gosta? Adoro. Por isso
que eu faço. Eu gosto, mas aqui não. Por que? Tem muita gente. Eles não estão
nem olhando. É? Mas é perigoso. Qual nada. Você já imaginou a vergonha? Estão
todos no celular, ninguém tá olhando. Justamente, alguém pode estar filmando. E
daííí, com essa tensão tudo fica mais gostoso. Eu sei, mas tome cuidado. Né
gostoso? É. Mas...pare! Não! Aquela mulher ali da frente acho que percebeu.
Qual? A morena gorda? Claro, só tem ela na nossa frente. Qual nada. Ela
percebeu sim. Duvido. Veja como ela olha pra gente. Aposto que ela tá é gostando
de ver. Tem muita gente aqui, hoje. Pare de se preocupar. Estou tentando. Deixe-me
fazer de novo. Aperte devagar. Está gostoso? Demais. E você queria que eu
parasse. Isso, circula e aperta. Você é danadinho. Número 23. É o seu? Não, o
meu é 26. A gorda continua olhando. É? Olha o que eu vou fazer. Ei... ei... ela
tá desconfiada. Relaxe que ela tá de olho fechado. Se você fizer isso ela vai
ter certeza. Fique frio que tá todo mundo ligado na TV. E se ela fizer
escândalo? Não vai, não. A gente sai daqui direto pra delegacia. Eu acho que
ela tá se deliciando. E se tiver circuito interno e cair na internet? Que nada.
Eu aposto como ela tá danada imaginando o que a gente tá fazendo. Que fique só na
imaginação. Para, tira a mão dai. Por quê? Você tem que respeitar as pessoas.
Que naaaada. É perigoso. O que quero é sentir o ... número 24. Porque você
sorriu? Por nada. Ela olhou pra gente e sorriu. Número 24. E se ela achou que...
a gente... 24. Não achei graça nenhuma. Se ela desconfiou é problema dela. Ela
tá digitando alguma coisa. Esquece ela. Deve estar comentando com alguma amiga.
Deixa de teu estresse. Humpf! Não tem ninguém aqui olhando pra gente. Ok, vou
ficar bem. Relaaaxe. Tudo bem, tudo bem, vou relaxar. Ótimo, assim é melhor. E
se ela viu a sua mão? Onde? Não sei, tô nervoooso. É claro que ela não viu
nada. Viu sim. Viu não. Viu você com a mão aqui e desconfiou. Putz! Que neura. Será
que foi porque você sorriu na hora do 24. Acho que sim. Seu senso de humor é
ridículo. E você é um medroso. E você é um b.a.b.a.c.a. Mas você gosta. Claro
que gosto. Então relaxe um pouco. Vou tentar. Feche os olhos. Tá bom. Os dois.
Tô fechando. Veja como é bom. Aperta com mais força. Isso, mantenha os olhos
cerrados. Como é bom... Número 25. A gorda saiu? Não. Qual o número dessa...
gorda? Feche os olhos. Tô fechando. Beleza. Hum! Como é bom. Delícia né? Adoro
isso. Vou mais rápido. Isso... Número 26. Ih, lascou tudo. O que houve? É o meu
número. Lascou mesmo. E agora como é que vou levantar e passar na frente dessa gorda. E eu sei lá. Caraca.
Te vira, é contigo e a sorte. Eu disse pra você parar. Vou tomar um cafezinho.
Não, não saia agora não. Número 26. Você levanta primeiro e vou atrás de você.
Tá louco. Foi você quem começou isso tudo. Sim, mas você vir trás de mim, assim,
é complicado. Seu babaca. Essa gorda vai pensar o que de mim? Caraaaca. Te vira. Como vou levantar assim
desse jeito... Número 26. Essa senhora vai na minha vez. Vai perder a sua vez?!
A senhora pode ir no meu lugar. Você não quis me ajudar. Eu fico com o seu número.
Qual o número dela? 69.
Quem sou eu
- Andre Maurício
- Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.