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Este alagoano de São José da Tapera, nascido em 1966, é maravilhado com a escrita e encantado com as letras. Procura traduzir em seu trabalho as inquietações da alma humana em suas relações interpessoais e consigo mesmo. Autor dos livros: O homem que virou calango (contos); Retratos Urbanos; Síndroma de Imunodeficiência Depressiva; Da dor do não, poemas; coautor de Caoticidade Urbanopoética do eu nulo, poesia; participação na 1ª Antologia da Confrafia: Nós, Poetas.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Não aconteceu como pensei que seria o que havia pensado.



A luz que penetrava pela fresta da cortina feria-lhe os olhos, despertando-o. Deitado, com o lençol cobrindo-lhe apenas o ventre e parte da coxa, tateou com o olhar o ambiente para identificar onde se encontrava. Não reconheceu. Os poucos móveis, a decoração sóbria, a cortina de um tom escuro, a TV desligada; Nada lembrava um lugar conhecido. A cama redonda o fez esboçar um olhar inquiridor. Isto o chateava. Detestava pensar ao despertar. Fazia-o lentamente, preguiçosamente. E perquirindo-se começou a pensar como fora parar naquele ambiente, até o momento desconhecido, e em qual companhia, que o despiu por completo.
Da noite anterior lembra de quando chegou ao apartamento de Adriano, seu amigo do trabalho, para comemorar junto com outros o aniversário daquele. Lembra que bebeu um pouco, acha, de uisque. Lembra de ter conversado com Carlos assim que chegou. Colega novo que começara naquele dia. Moreno de compleição mediana. Só o achou um pouco afemeado. Lembra do Antônio... da Luana... de Marcos e.. lembra, ainda, já no fim da festa de ter conversado com... Analice. Analice. Vizinha de sala no trabalho. Morena sinuosa, portentosa que permeia, volta e meia, suas lucubrações. Seus cabelos, negros, flutuam ao menor movimento. Seus seios fartos – adoro mamas grandes, pensou sorrindo, convidam a um olhar deleitoso. Nutria um desejo voluptuoso pelo seu sorriso. Aquela boca marrom carnuda que era do tipo que implorava para ser beijada. Desejava-a como dois amantes se desejam. Aquelas calças justas delineando a sensualidade sinuosa de seu corpo. Aquelas blusas fininhas, quase transparentes, exibindo detalhes de um desejo. A pele morena - suave, os pelos - poucos, descoloridos. Que inveja nutria por aquelas roupas que a cobriam por inteiro; quanto a mim, não me permitiam os escrúpulos nada além de desejos. A cada divagação sentia o pulsar intenso e quente a ponto, às vezes, de achar que iria romper a costura do jeans. O compromisso dela o inibia. Por vezes desejava esquecer a razão, desejava não ter escrúpulos. Por vezes lançava-se da mão na solidão etérea da edícula. À consciência, morte!, por não permitir desvarios. Refém de si mesmo é o que era. Assim, imaginar, então, é o que restava. Imaginar aqueles pelos se eriçando ao roçar suave de uma pedra de gelo sobre a coxa. Imaginar a boca sussurrante, arfante, ao roçar-lhe a língua em seu seio. Imaginar seus olhos semicerrados ao beijar-lhe o pescoço. Imaginar o contorcesse do corpo ao roçar a ponta do nariz suavemente sobre o abdome em movimento lento e rotatório fazendo-a sentir o calor da respiração. Imaginar o ambiente em harmonia com os paralelismos e perpendicularismos dos movimentos imitando um balé silencioso onde a música é ditada pela respiração e sussurros emitidos por bocas úmidas, lânguidas em um palco cuja plateia são os próprios corpos refletidos nus pelos espelhos. Imaginar ouvir sua voz maviosa pronunciar palavras ininteligíveis. Imaginar beijar-lhe a boca demoradamente sugando-lhe todo seu erotismo. Tudo isso excita-o sobremaneira deixando latente e visível esta condição.
O som do chuveiro aberto trouxe-o à tona. Sentou-se à beira da cama. O frio correu-lhe os ossos. Abraçou a si mesmo a fim de aplacá-lo. Ciscou o chão em busca de uma sandália que não existia. Pensou em ir espreitar pela porta sorrateiramente. A curiosidade por saber com quem havia dormido era forte. Teria sido Analice (musa das quimeras)?  Ou de repente... outra qualquer. Essa ausência de certeza o acabrunhava. Ouviu o som da torneira fechando, o silêncio do chuveiro e imaginou ela estendendo o braço, pegando a toalha e deslizando-a pelo corpo. Imaginou-se toalha. Mentalmente calculou quantos passos precisariam para sair do box e chegar até a porta. Ajeitou-se visualmente. Passou a mão no cabelo, fazendo às vezes de pente. Baforou na mão para sentir o bafo. Só fedia a uísque. Sentiu ela distender o braço, tocar o trinco, puxar a porta. De pé segurando o lençol sobre a cintura, cobrindo sua excitação, ensaiou um sorriso tímido antecipando o que queria ver. Ao abrir-se por completo a porta um sorriso pálido, amarelo, invadiu-lhe o rosto, os olhos abriram-se em estupefação, o lençol escorrega caindo-lhe sobre os pés, a boca abre-se em um misto de exclamação e interrogação e frustração e... e... Carlos!?