A luz que
penetrava pela fresta da cortina feria-lhe os olhos, despertando-o. Deitado,
com o lençol cobrindo-lhe apenas o ventre e parte da coxa, tateou com o olhar o
ambiente para identificar onde se encontrava. Não reconheceu. Os poucos móveis,
a decoração sóbria, a cortina de um tom escuro, a TV desligada; Nada lembrava
um lugar conhecido. A cama redonda o fez esboçar um olhar inquiridor. Isto o
chateava. Detestava pensar ao despertar. Fazia-o lentamente, preguiçosamente. E
perquirindo-se começou a pensar como fora parar naquele ambiente, até o momento
desconhecido, e em qual companhia, que o despiu por completo.
Da noite
anterior lembra de quando chegou ao apartamento de Adriano, seu amigo do
trabalho, para comemorar junto com outros o aniversário daquele. Lembra que
bebeu um pouco, acha, de uisque. Lembra de ter conversado com Carlos assim que
chegou. Colega novo que começara naquele dia. Moreno de compleição mediana. Só
o achou um pouco afemeado. Lembra do Antônio... da Luana... de Marcos e..
lembra, ainda, já no fim da festa de ter conversado com... Analice. Analice. Vizinha
de sala no trabalho. Morena sinuosa, portentosa que permeia, volta e meia, suas
lucubrações. Seus cabelos, negros, flutuam ao menor movimento. Seus seios
fartos – adoro mamas grandes, pensou sorrindo, convidam a um olhar deleitoso.
Nutria um desejo voluptuoso pelo seu sorriso. Aquela boca marrom carnuda que
era do tipo que implorava para ser beijada. Desejava-a como dois amantes se
desejam. Aquelas calças justas delineando a sensualidade sinuosa de seu corpo. Aquelas
blusas fininhas, quase transparentes, exibindo detalhes de um desejo. A pele
morena - suave, os pelos - poucos, descoloridos. Que inveja nutria por aquelas
roupas que a cobriam por inteiro; quanto a mim, não me permitiam os escrúpulos nada
além de desejos. A cada divagação sentia o pulsar intenso e quente a ponto, às
vezes, de achar que iria romper a costura do jeans. O compromisso dela o
inibia. Por vezes desejava esquecer a razão, desejava não ter escrúpulos. Por
vezes lançava-se da mão na solidão etérea da edícula. À consciência, morte!,
por não permitir desvarios. Refém de si mesmo é o que era. Assim, imaginar,
então, é o que restava. Imaginar aqueles pelos se eriçando ao roçar suave de uma
pedra de gelo sobre a coxa. Imaginar a boca sussurrante, arfante, ao roçar-lhe a
língua em seu seio. Imaginar seus olhos semicerrados ao beijar-lhe o pescoço.
Imaginar o contorcesse do corpo ao roçar a ponta do nariz suavemente sobre o
abdome em movimento lento e rotatório fazendo-a sentir o calor da respiração.
Imaginar o ambiente em harmonia com os paralelismos e perpendicularismos dos
movimentos imitando um balé silencioso onde a música é ditada pela respiração e
sussurros emitidos por bocas úmidas, lânguidas em um palco cuja plateia são os
próprios corpos refletidos nus pelos espelhos. Imaginar ouvir sua voz maviosa
pronunciar palavras ininteligíveis. Imaginar beijar-lhe a boca demoradamente
sugando-lhe todo seu erotismo. Tudo isso excita-o sobremaneira deixando latente
e visível esta condição.
O som do
chuveiro aberto trouxe-o à tona. Sentou-se à beira da cama. O frio correu-lhe
os ossos. Abraçou a si mesmo a fim de aplacá-lo. Ciscou o chão em busca de uma
sandália que não existia. Pensou em ir espreitar pela porta sorrateiramente. A
curiosidade por saber com quem havia dormido era forte. Teria sido Analice
(musa das quimeras)? Ou de repente...
outra qualquer. Essa ausência de certeza o acabrunhava. Ouviu o som da torneira
fechando, o silêncio do chuveiro e imaginou ela estendendo o braço, pegando a
toalha e deslizando-a pelo corpo. Imaginou-se toalha. Mentalmente calculou quantos
passos precisariam para sair do box e chegar até a porta. Ajeitou-se
visualmente. Passou a mão no cabelo, fazendo às vezes de pente. Baforou na mão
para sentir o bafo. Só fedia a uísque. Sentiu ela distender o braço, tocar o
trinco, puxar a porta. De pé segurando o lençol sobre a cintura, cobrindo sua
excitação, ensaiou um sorriso tímido antecipando o que queria ver. Ao abrir-se
por completo a porta um sorriso pálido, amarelo, invadiu-lhe o rosto, os olhos
abriram-se em estupefação, o lençol escorrega caindo-lhe sobre os pés, a boca
abre-se em um misto de exclamação e interrogação e frustração e... e...
Carlos!?